O cristão pode ter seu nome
riscado do Livro da Vida?
Por Vinicius Couto
Um dos assuntos que fazem
parte do rol de temas polêmicos do estudo das Escrituras Sagradas é a respeito
do que conhecemos como Livro da Vida. Existem pessoas que não crêem na
existência literal desse livro. Outros crêem que ele, de fato, é real e que contém
o nome das pessoas que serão salvas. Se esse livro existe, quando foi escrito?
Seria possível que ele ainda estivesse sendo escrito? Os nomes inscritos nesse
livro divino podem ser riscados ou eles possuem um caráter inapagável? Essas
dúvidas são corriqueiras em neófitos, mas também deixam os mais eruditos
estudiosos de cabelo em pé.
O objetivo do presente
artigo é apontar algumas considerações sobre o assunto, tendo como ponto de
partida o que a Bíblia fala a respeito. Na medida em que o assunto avançar,
serão realizadas algumas análises exegéticas do texto grego com a finalidade de
ampliar o entendimento acerca desse assunto tão importante. Pretende-se com
essas abordagens bíblicas e exegéticas, averiguar quando os nomes foram
escritos e pensar se tais nomes podem ou não ser riscados. Não obstante, é
preciso reconhecer que este é um dos temas da teologia que não possui
unanimidade e, portanto, não é objetivo deste ensaio chamar para si o título de
detentor da verdade.
Referências bíblicas do
Livro da Vida
Antes de mais nada, é mister
reconhecer que a Bíblia referencia a existência de um livro da vida. Em
Filipenses 4.3 Paulo comenta que os cooperadores que lutaram ao seu lado pela
causa do Evangelho têm seus nomes escritos nesse livro. As demais referências
diretas do Novo Testamento estão concentradas no livro de Apocalipse. No
capítulo 3 e verso 15, Jesus diz que “O vencedor será igualmente vestido de
branco. Jamais apagarei o seu nome do livro da vida, mas o reconhecerei diante
do meu Pai e dos seus anjos.”
Em Apocalipse 13.8 é
possível ler que esse livro é do Cordeiro de Deus e que algumas pessoas não
tiveram o nome escrito nele. Em 17.8 a idéia anterior de pessoas que não
tiveram o nome inscrito neste livro é corroborada e aqui o texto sugere que tal
livro foi escrito desde a fundação do mundo, assunto que será melhor abordado
em seção adiante. Em 20.12 João tem uma visão na qual uma massa de pessoas, i.
e, uma multidão de mortos (grandes e pequenos) se colocavam diante do trono e
vê dois tipos de livros: um que provavelmente alude ao modus vivendi desses
indivíduos enquanto estavam vivos e outro que ele denomina como “livro da
vida.” O momento apocalíptico dessa visão se refere ao juízo final e, portanto,
as pessoas cujos nomes não são encontrados no livro da vida, são condenadas ao
lago de fogo.
No capítulo 21 João tem a
visão da Nova Jerusalém. Ele a descreve como sendo um local muito belo, com
muralhas e ornamentações de pedras preciosas, além de ruas de ouro. Lá não há
sofrimento, choro, lágrimas, tristeza, dor e nem mesmo a morte. Não é preciso
de sol, pois Cristo é a luz que ilumina. Todavia, João alerta seus leitores no
versículo 27: “Nela jamais entrará algo impuro, nem ninguém que pratique o que
é vergonhoso ou enganoso, mas unicamente aqueles cujos nomes estão escritos no
livro da vida do Cordeiro.”
O Novo Testamento ainda
mostra mais duas passagens que podem ser relacionadas com o citado livro da
vida. A primeira passagem é Hebreus 12.22,23, onde o autor da epístola alega
que existe uma igreja dos primogênitos. Sua localização é celestial e os
detalhes desta localização corroboram com a visão que João teve da Nova
Jerusalém em Apocalipse 21. Os nomes dos membros dessa igreja celeste “estão
escritos nos céus” (Hb 12.23).
A segunda passagem é um relato
de Lucas a respeito de quando o Messias envia os discípulos em dupla para um
treinamento prático sobre proclamação do Evangelho. Eles anunciaram as boas
novas e voltaram maravilhados, pois coisas extraordinárias aconteceram. “Os
demônios se submetem a nós,” disseram eles estupefatos com a autoridade que há
no nome de Jesus. Mas, Jesus, ao corrigir-lhes, declarou: “alegrem-se, não
porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos
nos céu” (Lc 10.20).
Referências sobre tal livro
não se limitam aos escritos neotestamentários. Após a morte de aproximadamente
três mil israelitas no acampamento ao pé do monte Horebe, Moisés sobe novamente
no monte a fim de interceder pelo pecado de idolatria do povo, quando
confeccionaram um bezerro de ouro e blasfemaram dizendo que fora este objeto
feito por mãos humanas quem os livrou do Egito. A intercessão de Moisés foi:
“…perdoa-lhes o pecado; se não, risca-me do teu livro que escreveste.” Um
pedido completamente ousado que trouxe uma resposta imediata do Deus
Todo-Poderoso: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim” (Êx
32.32,33).
Num Salmo de lamentação,
Davi se rasga o coração diante de suas tribulações e adversidades. Ele se sente
atolado de problemas até o pescoço e alega estar deixando a vida o levar, como
alguém que é carregado pela correnteza. Quem nunca se sentiu assim? Todavia, a
partir do versículo 7 ele começa a revelar uma das razões de sua profunda
tristeza. Ele alega que suportava zombaria, insultos, maledicências e o
terrível fato de ter seu nome como objeto de sarcasmo na boca dos bêbados da
cidade. Isto posto, Davi clama pela justiça divina, dizendo a respeito dos que
o perseguiam: “Acrescenta-lhes pecado sobre pecado; não os deixes alcançar a
tua justiça. Sejam eles tirados do livro da vida e não sejam incluídos no rol
dos justo” (Sl 69.27,28).
Finalmente, duas últimas
passagens veterotestamentárias que podem fazer alguma alusão mais indireta ao
livro da vida são as visões que Daniel tem do juízo final e da grande tribulação,
respectivamente. No primeiro caso ele tem uma visão semelhante à que João teve
em Apocalipse 20.12 e vê tronos sendo postos num lugar e um Ancião de vestes
brancas como a neve e cabelos brancos como a lã. Seu trono ardia em fogo e
tinha a parte inferior incandescente, semelhantemente aos pés como latão
reluzente de Apocalipse. Daniel continua descrevendo essa cena, dizendo que
“saía um rio de fogo, de diante dele. Milhares de milhares o serviam; milhões e
milhões estavam diante dele. O tribunal iniciou o julgamento, e os livros foram
abertos” (Dn 7.10). No segundo caso, Daniel vê um tempo de angústia como nunca
houve na história humana e relata que neste tempo, “ocasião o seu povo, todo
aquele cujo nome está escrito no livro, será liberto” (Dn 12.1).
Quando os nomes são escritos
nesse livro?
Algumas pessoas usam
Apocalipse 13.8 para apontar quando o livro da vida foi escrito, entretanto, o
texto em questão aponta para outra coisa. Antes de analisar a passagem, é
melhor citá-la: “Todos os habitantes da terra adorarão a besta, a saber, todos
aqueles que não tiveram seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro que
foi morto desde a criação do mundo.”
Como se pode perceber, o
apontamento temporal “desde a fundação do mundo” não está se referindo, no
contexto imediato desta passagem, ao livro da vida e sim a Jesus, o cordeiro
que foi morto desde a fundação do mundo. Stern concorda com isso e afirma que
“Deus planejou a morte expiatória dele antes da criação do mundo.”[1] Não que o
livro aqui não tenha importância. Ele tem. João enfatiza que seu dono é o
Cordeiro! Outra informação importante é a ocorrência do verbo “Foi,” que no
grego é esphagmenou e está no tempo aoristo, o que indica algo instantâneo.
Sobre o tempo aoristo na
gramática grega, Wiley comenta que, no nosso idioma “não há tempo semelhante na
conjugação verbal,” pois trata-se de algo que é feito de modo instantâneo e de
uma vez por todas e não gradativamente.[2] O verbo no aoristo faz toda a
diferença por dois motivos: 1) porque Jesus não foi morto várias vezes! 2)
porque o texto semelhante, localizado em Apocalipse 17.8, usa o verbo em outro
tempo gramatical grego, que é o perfeito e isso no contexto imediato aponta
para outro lado, conforme será visto logo a seguir.
A fim de analisar a passagem
de Apocalipse 17.8, segue a citação da mesma: “A besta que você viu, era e já
não é. Ela está para subir do abismo e caminha para a perdição. Os habitantes
da terra, cujos nomes não foram escritos no livro da vida desde a criação do
mundo, ficarão admirados quando virem a besta, porque ela era, agora não é, e
entretanto virá.”
A locução prepositiva grega
“apo kataboles kosmou” significa “desde a fundação do mundo” e denota uma
considerável diferença entre “antes da fundação do mundo,” pois “desde” fala da
inserção dos nomes a partir da criação do mundo, i.e, desde Adão até os dias
presentes, significando que Deus está agindo no chronos, inserindo os nomes no
livro da vida a partir da conversão das pessoas. Em outras palavras, isso
sugere que, quando a pessoa responde positivamente à graça preveniente, Deus
opera neste indivíduo – que outrora estava morto em seus delitos e pecados – a
salvação, regenerando o tal.
Ademais, o texto diz que “os
nomes não estão escritos.” Esse “estão escritos” está conjugado no tempo
perfeito do grego e a palavra ali é gegraptai. O tempo perfeito é usado numa
ação que foi completada no passado e que está ocorrendo no presente. Esse tempo
não tem correlato em português. É como se os nomes fossem conhecidos no kairós
(haja vista os atributos naturais e incomunicáveis de Deus, a saber:
onisciência e presciência), mas estivessem sendo escritos no chronos. É algo
que versa sobre o contraste entre o tempo cósmico e o humano; o sobrenatural e
o natural; o metafísico e o físico; o objetivo e o subjetivo; o atemporal e o
temporal.
“O perfeito grego [é] um
tempo gramatical aberto à evocação simbólica do além tempo.” Trata-se de “um
recurso bastante singular” e peculiar do idioma grego. Esse recurso, o tempo
perfeito, “exprime a idéia de uma ação começada no passado, mas que
continua.”[3] Corrobora com isso Bréal ao comentar que “o perfeito grego
conservou sempre na sua significação qualquer coisa que faz dele um
intermediário entre o passado e o presente,” sendo usado “para designar uma ação
passada cujo resultado dura ainda.”[4]
Um exemplo disso é a
tradução do Salmo 2.7 na versão dos setenta (LXX – a septuaginta): “hyios mou
eis y, egō sèmeron gegennèka se” ([tu és] meu filho; eu hoje te gerei). O autor
da carta aos hebreus interpreta esse verso aplicando-o a Cristo por duas vezes
(Hb 1.5; 5.5). O verbo gegennèka (gerei) está no perfeito grego. A aplicação do
Salmo 2.7 no Novo Testamento tem a ver com a ressurreição de Cristo (cf. Atos
13.33). Na perspectiva do salmista, o Messias já havia sido gerado
(ressuscitado), mas ao mesmo tempo ainda não, pois seria um anacronismo,
afinal, o Verbo só encarnou séculos depois. Por isso, o fato estava consumado
na eternidade (kairós), porém, teria uma ação efetiva e consolidada no decorrer
do tempo humano (chronos).
Outro texto que cabe aqui a
análise exegética é Hebreus 12.22-24, que de acordo com a NVI diz assim: “Mas
vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo.
Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos
primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz
de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados”
O verbo “chegaram,” logo no
início do verso 22 é proselēlythate em grego. Ele está no tempo perfeito e tem
o sentido de algo que já acontecera, mas que permanece ocorrendo. Deste modo,
poderíamos dizer que o autor da epístola diz aos hebreus crentes que eles já
haviam chegado ao monte Sião, mas que continuam a se aproximar.
No trecho “cujos nomes estão
escritos nos céus,” do verso 23, o verbo “estão” é apogegrammenōn no grego e
também está conjugado no tempo perfeito, dando o sentido de que os nomes estão
escritos desde uma era passada, mas permanecem sendo escritos numa relação
além-tempo e além-espaço, rompendo assim, com o presente mensurável e
quantificável, ligando-o, ao mesmo tempo com o presente atemporal e metafísico.
Gogues e Talbot traduzem o
versículo da seguinte maneira: “Mas vos começastes [e continuais] a vos
aproximar do Monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém Celeste, de
milhões de anjos – reunião festiva e Igreja dos primogênitos [tendo começado e
continuado a estar] inscritos nos céus – e de Deus, o juiz de todos e dos
espíritos dos justos [tendo começado e continuado a se] tornar perfeitos.”[5]
Um último exemplo do tempo
perfeito grego pode ser dado através do relato lucano acerca de coisas
ocorridas naqueles dias do ministério de Jesus. Em seu prólogo, Lucas declara
que “Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram
entre nós” (Lc 1.1). O verbo “cumpriram” ali é peplērophorēmenōn. Lucas mostra
que Jesus havia realizado muita coisa naquela região que se dedicou a pesquisar
e os atos de Cristo deixaram uma marca muito forte. As pessoas entrevistadas
por Lucas podiam sentir o efeito das palavras e dos milagres de Jesus anos
depois.
Não é assim também entre
nós? Quando tivemos o privilégio de conhecer a Cristo verdadeiramente e
entregamos nossas vidas a Ele, algo maravilhoso ocorreu: Ele nos regenerou e ao
mesmo tempo nos justificou e adotou. Todavia, essa experiência com Cristo não
foi tão somente posicional. Ela também tem seu caráter gradativo.
Simultaneamente com a regeneração, justificação e adoção, fomos santificados. A
experiência da santificação permanece em nós e só será consumada,
definitivamente, com a glorificação.
Os nomes podem ser riscados?
A Escritura aponta para a
possibilidade dos nomes serem riscados. O primeiro exemplo a ser tomado é
Apocalipse 3.5: “O vencedor será igualmente vestido de branco. Jamais apagarei
o seu nome do livro da vida, mas o reconhecerei diante do meu Pai e dos seus
anjos.”
Como se pode perceber, a
promessa de não ter o nome riscado é para os que vencerem, i. e., aqueles que
perseverarem até o fim e que não se apostatarão. Parafraseando, é como se Jesus
estivesse dizendo “não apagarei o nome daqueles que vencerem, daqueles que
perseverarem até o fim.” Em contrapartida, é óbvia a dedução de que se existem
pessoas que perseverarão e vencerão, haverá pessoas que se apostatarão e serão
derrotadas.
O verbo “riscar” é exaleipso
e está conjugado no tempo futuro. Algo que ainda será feito. Nomes ainda serão
riscados por Jesus enquanto outros não serão riscados e, por conseguinte,
permanecerão escritos no livro da vida. O verbo “riscar” usado no texto de
Apocalipse 3 significa, em grego, aniquilar, apagar, cancelar. Tem a ver com
passar tinta ou cal a fim de apagar algo, ou com esfregar uma escrita e
imprimir um selo em alguma tabuleta de cera. Essa palavra era usada para se
referir ao cancelamento de obrigações e direitos.
Um modo interessante de
mostrar essa verdade é analisando o que Paulo disse em 2 Timóteo 4.7: “Combati
o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.” A NVI já traduz a palavra
grega dromon como “corrida,” mas a maioria das outras versões em português
traduzem como carreira. Essa ilustração de Paulo é interessante porque a vida
cristã é exatamente como uma corrida. Existe o ponto de partida (conversão), o
trajeto (vida cristã e santificação) e a chegada (glorificação). Alguns vão
começar essa corrida e não a terminarão, ficarão no meio do caminho e
tristemente terão seus nomes riscados do livro da vida.
Outro texto prova da
possibilidade de ter o nome riscado é a oração intrépida de Moisés. Conforme já
foi apontado mais no início do ensaio, Moisés subiu mais uma vez no monte a fim
de interceder pelo pecado de idolatria do povo israelita, pois eles
confeccionaram um bezerro de ouro e blasfemaram dizendo que fora este objeto
feito por mãos humanas quem os livrou do Egito. A intercessão de Moisés foi:
“…perdoa-lhes o pecado; se não, risca-me do teu livro que escreveste.” E a
resposta de Deus, em seguida, foi: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar
contra mim” (Êx 32.32,33 – grifos meus).
Moisés não faria uma oração
dessas se ele não acreditasse na possibilidade de um nome ser riscado do livro
da vida. Outrossim, Deus não responderia essa oração afirmando que risca
somente os nomes daqueles que pecam contra ele, ou seja, daqueles que vivem na
prática contínua e habitual do pecado. Kistemaker alega que no Antigo
Testamento, a expressão “ser apagado do livro” significava “morrer.”[6] Nessa
concepção, Moisés teria dito a Deus, “perdoa o povo ou me mate.” Todavia,
Stern, que é um judeu messiânico, confirma que a crença judaica no episódio de
Moisés tinha a ver com a eternidade e não com a morte terrena e atesta, ainda,
que os judeus acreditam que “é possível sair da graça e ter o destino eterno
mudado de salvação para condenação.”[7]
Concluindo essa seção, é
interessante abordar mais uma vez o relato de Lucas a respeito de quando o
Messias enviou os discípulos de dois em dois em Seu treinamento prático sobre
proclamação do Evangelho. Esses discípulos anunciaram as boas novas e voltaram
maravilhados, pois coisas extraordinárias aconteceram. “Os demônios se submetem
a nós,” disseram eles estupefatos com a autoridade que há no nome de Jesus.
Mas, Jesus, ao corrigir-lhes, declarou: “alegrem-se, não porque os espíritos se
submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céu” (Lc 10.20).
Seria possível um discípulo
se desviar? Segundo o dicionário VINE, discípulo é um aprendiz, alguém que
aprende com esforço, um seguidor, alguém que permanece nos ensinos de seu
mestre e finalmente, imitador. Jesus disse aos judeus que creram em sua
mensagem: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão
meus discípulos” (João 8.31). Observe que nesse texto há uma condição: “se.”
Somente aquele que permanece se torna um legítimo discípulo. Em contrapartida,
Jesus deixa claro com essas palavras que é possível não permanecer, i. e.,
deixar de perseverar.
Existem inúmeras exortações
para que os crentes permaneçam e perseverem na presença do Altíssimo, bem como
avisos sobre o perigo e possibilidade de apostasia (Mt 10.22; 24.12,13; 1 Co
10.12; Gl 5.4; 2 Ts 2.15; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.14; Hb 8.9; 10.39; Tg 5.19,20; 1 Pe
1.5; 2 Pe 2.20-22; 1 Jo 2.24; Ap 2.11). Seria estranho que Deus colocasse
advertências contra a apostasia se isso não fosse possível acontecer. Deste
modo, um discípulo que teve o nome escrito no livro da vida, ao se apostatar da
fé, terá seu nome riscado.
Pedro comenta de obreiros
que abandonaram o caminho reto, desviando-se dele (2 Pe 2.15). Ninguém abandona
algo que não experimentou e vivenciou. E ninguém se desvia de um caminho que
não estava seguindo. O Apóstolo comenta, ainda, que esses obreiros apóstatas
chegaram a escapar das contaminações do mundo por meio do conhecimento de
Jesus, mas permitiram ser dominados de novo por essa vida deliberadamente
pecaminosa e estão piores do que estavam antes de se converterem (v. 20). Ora,
somente alguém que foi regenerado é que se torna descontaminado (purificado ou
santificado) do pecado. De acordo com a crítica de Pedro, o que provocou essa
descontaminação (libertação) do pecado é foi conhecimento de Jesus, e João
testifica isso em seu Evangelho (Jo 8.32).
Paulo atesta essa verdade
(de que o regenerado escapa das contaminações do mundo) ao mostrar que quem
nasce de novo é lavado, santificado e justificado (1 Co 6.11) e que Cristo “nos
salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). Jesus
purifica sua igreja pelo lavar de água mediante a Palavra (Ef 5.26) e “se
entregou por nós a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para si mesmo
um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras” (Tt 2.14). A
Bíblia declara que o sangue de Cristo purifica nossa consciência de atos que
levam à morte (Hb 9.14).
Deste modo, Pedro conclui:
“Teria sido melhor que não tivessem conhecido o caminho da justiça, do que,
depois de o terem conhecido, voltarem as costas para o santo mandamento que
lhes foi transmitido” (2 Pe 2.21). Tais apóstatas, na opinião petrina, são como
“o cão [que] voltou ao seu vômito” e como “a porca lavada [que] voltou a
revolver-se na lama” (v. 22).
Considerações finais
Após refletir sobre o
assunto, pode-se enumerar três informações coletadas a partir da Bíblia em
relação aos nomes do livro da vida:
1) Alguns não tiveram o nome
escrito;
2) Alguns tiveram o nome
escrito;
3) Alguns dos que tiveram o
nome escrito poderão tê-lo riscado, caso não perseverem.
Partindo desses três pontos
e de tudo o que foi considerado bíblica e exegeticamente neste ensaio, é
possível fazer uma analogia: é como se Deus tivesse uma espécie de “cartório.”
Quem nasce de novo tem seu nome registrado no livro da vida. Quem continua
morto (ou seja, que não se converte) nunca terá esse nome escrito. Mas se esse
que nasceu de novo se apostatar terá o nome apagado do cartório de registros.
Referências
[1] STERN, David. Comentário
Judaico do Novo Testamento. Belo Horizonte: Atos, 2007, p. 900
[2] WILEY, Orton. Introdução
à Teologia Cristã. Campinas: CNP, 1990, pp. 353.
[3] GOUGUES, Michel; TALBOT,
Michel. Naquele tempo…. Concepções e práticas daquele tempo. São Paulo: Loyola,
2004, p. 34.
[4] BRÉAL, Michel. Essai de
Sémantique. Paris: Hachete, 1924, p. 349.
[5] GOGUES; TALBOT. Op. Cit., p. 36.
[6] KISTEMAKER, Simon.
Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.
206.